O riso de Demócrito



Há uma oposição clássica na filosofia que nos faz pensar até hoje: devemos rir ou chorar dos “ordinários desconcertos do mundo”? São mais dignas as lágrimas de Heráclito ou a atitude “the zoeira never ends” de Demócrito?

Quando o candidato a presidência Eduardo Campos morreu, as pessoas - todos observaram o fenômeno - parecem ter se divido entre aqueles que partiram direto para as piadas ou para as análises políticas e aqueles que se sensibilizaram com a morte inesperada do ex-governador e ficaram nervosos com o desrespeito dos primeiros ao período de luto.

Padre Antônio Vieira, aquele jesuíta barroco, provavelmente observando situação semelhante nas redes sociais do século XVII, fez um interessante comentário criticando o riso constante de Demócrito. O riso – comentou - não pode nascer da miséria real, por sua ligação com a dor. Então, os comediantes criam ficções para que se ria da imitação da miséria - agora separada da dor -, essa sim risível. Se os problemas “fossem verdadeiros”, acrescenta, “seriam motivo de comiseração, e não de riso”.

O grande número de pessoas transformando a morte de Eduardo Campos em piada nas redes sociais ilustrou bem a distância que as pessoas sentem de seus representantes políticos, esses seres midiáticos nos quais parece ser tão difícil reconhecer qualquer traço de humanidade.

No sentido oposto, nos discursos de luto, a metáfora da proximidade foi recorrente. “Ontem mesmo eu o vi na tevê”, ouvimos as pessoas comentando, como se isso, de alguma forma o tivesse aproximado de nós e causado uma certa comiseração.

Parece que a morte inesperada de Eduardo Campos e a divisão de reações que ela causou acabou evidenciando uma ambivalência da mídia: ela aproxima ao mesmo tempo em que desumaniza.

Resta ainda um problema. Sendo a miséria em questão a definitiva, surgem algumas ponderações: finda a vida, não acabou-se a miséria? Com a morte, não estaria novamente o riso, portanto, separado da dor?  Devemos rir da morte ou lamentá-la?

Certo do potencial desumanizador de nossa sociedade na forma como ela está hoje organizada, estou com o grupo que procura se sensibilizar com a miséria de qualquer pessoa, mesmo quando isso exige um esforço racional. Mas acredito que talvez nesse caso, ao contrário do que imaginaram os críticos, algumas pessoas tenham partido para a piada não por falta de sensibilidade em relação a miséria de uma pessoa, mas exatamente por considerar que a morte não é uma miséria, mas o seu encerramento definitivo.