O filósofo que morreu na merda
Você se olha no espelho e não parece estar se transformando,
mas, então, como você envelhece? Tudo muda o tempo todo. Assim podemos resumir
o problema de Heráclito: tudo é fluxo (“panta rei”). Para ilustrar a questão,
Heráclito escreveu: “ninguém se banha duas vezes no mesmo rio”. Nem o rio nem
as águas seriam as mesmas ou, nas palavras de Lulu Santos: “nada do que foi
será de novo do jeito que já foi um dia”.
Heráclito ainda complementou que as coisas tendem a se
transformar em seus opostos. E não falava só da boca para fora. O filósofo
acreditava tanto em sua própria ideia que, após contrair uma doença fazia seu
corpo acumular água e inchar, voltou de seu refúgio, chamou os médicos da polis
e disse: “preciso de alguém que transforme uma inundação em seca”. Os médicos
ficaram confusos e Heráclito os expulsou. Frustrado, chamou um curandeiro, que
lhe prescreveu o seguinte tratamento: cavar um buraco, encher de esterco de
vaca quente e ficar imerso até que a água saísse.
Curiosamente, temos três versões do final dessa história,
todas contadas por Diógenes de Laércio, mas o único fato comum é que Heráclito
cavou o buraco e entrou na merda. Na primeira versão, ele se salva e volta para
a floresta sem ser encontrado novamente. Na segunda, seus cachorros não
reconhecem seu cheiro e o devoram. Meus alunos, normalmente, ficam indignados
com essa versão, pois acham que os cachorros não comeriam cocô. Na terceira, a
favorita de 10 entre 10 alunos, Heráclito cava o buraco, entra, mas não
consegue sair, se tornando assim o famoso filósofo que morreu literalmente na
merda.
Demócrito certamente riu.