A Semana Em Questão #02



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EDITORIAL 

A segunda edição d'A SEMANA EM QUESTÃO traz a partida do Atletiba pelo Youtube, uma introdução ao Imposto de Renda, uma crítica ao "blackface" de Daniela Mercury no carnaval, o ladrão da Odebrecht e as chances de novas eleições para presidente, um estudo que compara o salário do operário no Brasil e na China, o mico da entrega do Oscar e a vencedora do Carnaval. O ano já pode começar!
FUTEBOL PELO YOUTUBE

Marcada originalmente para o dia 19 de fevereiro, a partida entre os times Atlético Paranaense e Coritiba foi finalmente transmitida nesse dia 1 de março. A novidade: os times recusaram os termos propostos pela Rede Globo e transmitiram o jogo pelo Youtube (da Google) e pelo Facebook. Será a concorrência com as gigantes da internet enfim coloca uma ameaça ao monopólio da emissora?

IMPOSTO DE RENDA

Começou nessa semana o prazo para entrega do Imposto de Renda (IR), apelidado de Leão, provavelmente pelo tamanho da mordida que arranca do salário do trabalhador. Teoricamente, o imposto seria sobre a renda, ou seja, sobre o dinheiro que vira mais dinheiro, como a diferença entre o valor pago por alguma mercadoria e o valor arrecadado com sua venda (seja uma casa ou as ações de uma empresa). No cálculo do IR, todos os gastos com serviços que deveriam ser garantidos pelo Estado oferecem algum desconto (o que é chamado de "dedução"), considerando que o contribuinte arcou com as despesas por conta própria e que, portanto, não deveria pagar duas vezes. Mas, na prática, ao considerar que salário e renda da mesma maneira (o que é altamente questionável) torna-se sobretudo um imposto sobre o trabalhador, que é mais fácil de controlar do que as empresas. Quem ganha pouco gasta quase tudo que tem, quem ganha muito faz o dinheiro render e vive dessa renda. Assim, ao taxar o salário e ter muitos impostos sobre o consumo, não estamos ampliando a desigualdade social? Em alguns países o imposto é progressivo e taxa mais quem tem grandes fortunas. Por que, em tempos de crise, não ampliamos essa discussão por aqui?

NÃO É SOBRE APROPRIAÇÃO CULTURAL

A cantora Daniela Mercury utilizou, no carnaval, cabelo Black Power e uma maquiagem para escurecer o rosto, o que é conhecido como "blackface". Em outras palavras, a cantora quis se fantasiar de "negra". Leia o que escreveu sobre o episódio a ativista Stephanie Ribeiro:
"Não estamos discutindo apropriação cultural, afinal o problema não é Daniela Mercury e tantas outras serem cantoras de Axé. Acho um desfavor da mídia esse ano toda vez que negros criticam algo colocam: negros acusam x pessoa de apropriação cultural. Estamos debatendo "blackface" e como as pessoas não necessariamente precisam "se vestir" de "negro" para "homenagear" uma pessoa negra.

Você pode homenagear a Elza e outros negros cantando suas músicas ou até usando um figurino que o cantor já usou. Porém cabelos crespos e pele escura não são parte do nosso figurino, somos nós. Nossa estética. Nossa beleza. A questão do carnaval é exatamente essa, como as pessoas usam perucas e pinturas que remetem a negros como se ser negro não fosse ser um indivíduo, mas ser um objeto/fantasia.

Quando a mídia coloca como apropriação, ela esvazia nosso debate."

NOVAS ELEIÇÕES PARA PRESIDENTE?

Marcelo Odebrecht, o criminoso que foi presidente da empreiteira que leva seu nome, realizou uma série de depoimentos contando detalhes dos esquemas de corrupção. Essa estratégia é a tal da "delação premiada", que nada mais é do que dedurar todo mundo para diminuir a própria pena. Em seus últimos depoimentos, o bandido afirmou que a Odebrecht colocou o Estado para funcionar em proveito do grande capital e comprou uma Medida Provisória por R$50 milhões. (Onde há corruptos, há também corruptores). O ladrão ainda afirmou que 4/5 do dinheiro que foi para o financiamento da campanha presidencial da chapa do PT de Dilma Rousseff e de seu vice Michel Temer do PMDB veio de fontes ilegais. Se comprovadas, as acusações implicam na anulação da eleição da chapa e, portanto, levariam a novas eleições indiretas, realizadas pelo Congresso Nacional. Qualquer pessoa que tenha sido ministro nos últimos três meses fica inelegível. O ex-ministro da educação, Renato Janine Ribeiro, especula que a demissão de José Serra do Ministério das Relações Exteriores talvez não tenha sido apenas por motivos de saúde.

P.S.: Você deve ter reparado no uso dos substantivos "criminoso", "bandido" e "ladrão" no texto acima. Não é estranho como não estamos acostumados a ler ricos serem tratados dessa forma pela mídia? Afinal, rico não rouba, rico "desvia". Em tempos de defesa da estranha moral do "bandido bom é bandido morto", um eufemismo pode ser a diferença entre a vida e a morte.

TRABALHAR COMO UM CHINÊS

Nesta semana, um estudo divulgado pela Euromonitor revelou que a média do salário dos operários chineses é mais alta do que a média do trabalhador da indústria no Brasil. Enquanto os chineses caminham para uma melhoria nas condições de vida, por aqui as reformas trabalhistas e o congelamento dos gastos com serviços públicos parece indicar o sentido contrário. Muitos brasileiros se recusam a comprar produtos da China por considerar que o país explora demais seus trabalhadores, em uma condição de quase escravidão. Será que em alguns anos, serão os ativistas chineses que boicotarão produtos brasileiros com pena de nós?

E O OSCAR VAI PARA...

La La Land. Não, espera! Moonlight! Leia o relato da atrapalhada entrega do principal prêmio do Oscar publicada pelo professor Cezar Migliorin pelo Facebook: 

"Enquanto um dos produtores de La La Land fazia os agradecimentos, no fundo do quadro um dos membros da equipe do filme olha para Jordan Horowitz, outro produtor, e franze levemente a testa. Os agradecimentos continuam acompanhados de uma leve agitação no segundo plano onde vemos seis pessoas. Destas, duas ou três desconfiam que algo errado está acontecendo. 

Bem ao fundo, um homem passa rapidamente enquanto um outro entra no quadro pela direita e pega o envelope com o nome do indicado da mão de Jordan Horowitz. Nesse momento o segundo plano já assumiu o protagonismo e o agradecimento do produtor Marc Platt, “keep dreaming” se torna um irônico conselho para si mesmo. 

Corte para um plano aberto. Vemos toda equipe, os homens de preto e as mulheres com cores. A agitação é intensa, ninguém mais ouve os agradecimentos. O editor volta rapidamente para o plano fechado, como se ainda buscasse o andamento natural da premiação, como se desejasse separar os agradecimentos da agitação que toma o palco.

Ao terminar o segundo agradecimento com palavras burocráticas e clichês, o terceiro produtor é chamado ao microfone. Ele já sabe que as coisas não vão bem e parece dizer: “No”, balançando levemente a cabeça. Entretanto, avança ao microfone. “To the love of my life... Etc” Nesse momento, o editor já abandonou o plano aberto em que vemos a movimentação e os rostos e opta por um geral em que pouco vemos o que se passa. O editor segue a ética das corridas de carro ou do futebol: quando há feridos a câmera se afasta. 

Voltamos para o plano fechado na última tentativa da imagem garantir o prosseguimento normal da cerimônia, mas agora não há mais saída.

Warren Beatty sai do segundo plano e se dirige ao microfone, e editor decide assumir que não há mais como esconder e, acompanhando Beatty, abre o plano e podemos ver toda a cena desfeita. No lugar de se despedir, o último agradecimento acaba apenas confirmando o que o ex-ganhador já sabia quando se dirigiu ao microfone: “we lost.”

Jordan Horowitz faz um movimento brilhante e, apesar de ter perdido o Oscar, decide manter o protagonismo. Avança no microfone e se antecipa a Beatty. O editor não tem mais o que esconder e devolve o espetáculo para o primeiro plano, fechando o quadro em Horowitz que deixa Beatty em segundo plano, o que não deixou também de ser uma gentileza. 

O produtor de La La Land avisa: “Moonlight, vocês ganharam.” O editor deve ter se perguntado: E a agora, acredito nisso e corto para a equipe de Mooolight? Difícil decisão, afinal, quem está anunciando não é ninguém do Oscar, nenhum apresentador, mas o produtor que acabou de receber o Oscar de melhor filme, que agora ele diz não ser dele. O editor decide não mostrar a equipe de Moonlight; preciso de provas, parece dizer. Jordan Horowitz assume definitivamente o comando e arranca das mãos de Warren Beatty o envelope. Era preciso provar para todos o que estava acontecendo. O editor respira aliviado e é rápido ao fazer um corte para um close em que se lê: Moonlight, best Picture. Não é possível, é isso mesmo?, pensam espectadores e o editor. É sim; um zoom nos aproxima ainda mais do cartão que comprova o que Horowitz está dizendo. Plano geral, plano dos aplausos e, finalmente, a equipe emocionada de Moonlight."

O PAÍS DO CARNAVAL

O carnaval este ano foi marcado por dois grandes acidentes com os carros alegóricos que deixaram dezenas de feridos: o da Paraíso do Tuiuti, que atropelou 20 pessoas, e o desabamento do teto da Unidos da Tijuca que feriu outras 20, que desfilavam em cima do carro. Os dois carros continuaram o desfile como se nada estivesse acontecendo. As escolas perderam pontos com a confusão e seriam rebaixadas, mas a Liga das Escolas de Samba resolveu perdoá-las e não rebaixar nenhuma escola este ano.

A vencedora no Rio de Janeiro foi Portela, que não ganhava há 33 anos. O enredo foi sobre os rios do mundo e a escola fez questão de destacar o crime ambiental da Samarco em Mariana (MG) ocorrido em 2015. E a quantas anda a Samarco e suas acionistas Vale e BHP Billiton? Apesar de terem cumprido menos de 5% das recomendações, segundo o Ibama, a Justiça desobrigou a empresa de depositar os R$1,2 bilhões que garantiriam a continuidade das reparações e a Samarco fala em voltar a operar já neste ano.